Mostrar mensagens com a etiqueta Mário Migueis da Silva. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Mário Migueis da Silva. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 23 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24337: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXVI: 16 de abril de 1971, um dia trágico, a morte de João Bacar Jaló (Cacine, 1929 - Tite, 1971)


Guiné > s/l > s/ d > O tenente graduado 'comando'  João Bacar Djaló,  rodeado de pessoal da 1ª CCmds Africanos. Entre outros, é possível identificar o furriel “Dico” Andrade, o 1º da esquerda, o furriel Orlando da Silva, ajoelhado, no meio e o 1º da direita, em cima, o soldado Francisco Gomes Nanque, que esteve preso na Libéria após a operação a Conacri. Foto de Amadu Djaló, publicado na pág. 190 do seu livro.



Lisboa > 1970 > O cap graduado 'comando'.  cmdt da 1ª CCmds Africanos João Bacar Jaló como o nosso veteraníssimo João Sacôto (ex-alf mil, CCAÇ 617/BCAÇ 619, Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66), hoje comandante da TAP reformado, membro da nossa Tabanca Grande desde 20/12/2011. 

O João Bacar Jaló veio a Lisboa, nessa altura, no 10 de Junho, receber a Torre e Espada. Nasceu em Cacine, circunscrição de Catió, região de Tombali, no sul da Guiné, em  1929, e morreu em 1971, no HM 241, em Bissau, por ferimentos em combate. Era alferes de 2ª linha em 6 de junho de 1965. (*)

Foto (e legenda): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Quínara > Carta de Tite (1955) > Escala 1/50 mil  > Posição relativa de Tite e, a nordetse, Jufá, a zona onde o João Bacar Jalõ perdeu a vida, em 16 de abril de 1971. Infografia publicada no livro, pág. 193.


Guiné > Região de Quínara > Tite > 1971 > O soldado Abdulai Djaló Cula, da 1ª CCmds, que contou aqui, no livro do Amadu Djalõ, as circunstâncias em que morreu ao seu lado o seu comandante. Foto publicada no livro, pág. 191.


1. C
ontinuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digital,  do seu livro 
"Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O seu editor literário, ou "copydesk", o seu camarada e amigo Virgínio Briote,  facultou-nos uma cópia digital; o Amadu, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de nove dezenas de referências no nosso blogue.

[Foto à esquerda > O autor, em Bafatá, sua terra natal, por volta de meados de 1966. (Foto reproduzida no livro, na pág. 149) ]

Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné Conacri,  começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii)  depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido,  por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757; 

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló; 

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;

(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló  (pp. 168-183);

(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;

(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,


 

Capa do livro do Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.  


Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXVI:

A morte de João Bacar Jaló (Cacine, 1929- Jufá, Tite, 1971) 

No dia seguinte, de manhã, apanhei o transporte para Brá. Quando lá cheguei, estava o capitão Miquelina Simões a proceder às identificações dos instruendos, que iam frequentar o curso para a 2ª Companhia de Comandos, vi o Furriel Vasconcelos.

 Vamos a isso depressa, pá!     gritei-lhe,  a brincar.

–  Amadu, ouvi agora uma coisa, não sei se é verdade.

–  O que foi que ouviste?

–  Ouvi dizer que o João Bacar morreu!

Corri para o gabinete do capitão e vi o Sisseco.

–   Sim, é verdade, o capitão morreu!

Sem demora corremos para o hospital. Quando chegámos, estava a entrar o general Spínola. Fomos atrás dele, até ao local onde repousava o corpo do nosso capitão João Bacar Jaló. Foi o próprio general que levantou o lençol que cobria o cadáver. As lágrimas romperam pelos nossos olhos.

Terminou, neste dia, 16 de Abril de 1971, a história do Capitão João Bacar Jaló[1].

Dirigi-me para a casa do capitão João Bacar e fiquei à espera do irmão dele, porque, entre nós, as famílias não podem ficar sem um homem em casa. E quando um dos nossos morre, é costume cada um de nós dar qualquer coisa, mesmo que a pessoa morta seja rica e ainda mais se o falecido tiver sido em vida boa pessoa. Então, cada um estava a dar dentro das suas possibilidades e foi nessa altura que entrou o tal velhote, de que já falei antes, o Mamadu Candé 
[o adivinho] . Vi-o pôr uma nota de 100 escudos no cesto. Ficámos, uns momentos, a olhar um para o outro.

Mais tarde, perguntei-lhe por que razão tinha dado 100 escudos.

–   Eu não queria o dinheiro, quando o capitão mo deu. Não aceitou o meu conselho e não é legítimo eu ficar com o dinheiro. Tive que o devolver.

Fiquei assim a compreender por que é o velhote não a queria, quando o João Bacar lhe deu a nota.

O Soldado Abdulai Djaló Cula[2], filho do Padre[3] Central de Bissau, conta que,  ao amanhecer daquele dia[4], o Capitão João Bacar Jaló lhe disse que ia morrer nesse dia. Abdulai chamou o Alferes Justo[5] e contou-lhe a conversa do capitão.

–    Como?  
  perguntou o alferes.

–  Sonhei com a minha morte      respondeu o capitão.

Estávamos juntos, eu, o Abdulai Djaló Cula, o Alferes Justo e o Furriel Braima Bá (Baldé). Não tinha ainda acabado de contar o sonho, vimos duas mulheres acompanhadas por uma criança. Traziam cestos com arroz à cabeça, que iam vender em Tite. Parámo-las e o capitão perguntou-lhes:

–  
Onde está o PAIGC?

–  
Eles dormiram aqui perto, devem estar ali em frente.

Tínhamos passado a noite, nós e eles, PAIGC, bem perto uns dos outros, talvez a pouco mais de duzentos metros. Nós estávamos muito desconfiados que eles andavam por ali e eles tinham a certeza onde nós estávamos. Por isso, durante a noite, tanto nós como eles evitámos fazer ruídos.

João Bacar deixou as mulheres irem à sua vida e decidiu preparar o ataque à zona onde desconfiávamos que eles estivessem. Aproximámo-nos com muito cuidado, chegámos ao local e vimos folhas estendidas no chão, que devem ter servido de camas. Vimos um resto de cigarro no chã, ainda a deitar fumo.

–  
Justo, procura nessa zona      ordenou o capitão.

O grupo do alferes, de cerca de vinte homens, começou a movimentar-se até desaparecerem da nossa vista. Soube, mais tarde, que, depois de percorrerem a zona, o Justo decidiu emboscar-se relativamente perto de nós.

João Bacar disse a um dos furriéis que lançasse sete granadas de morteiro 60 em cima da área, onde julgava estar o grupo do PAIGC. Mas o furriel só lançou uma. Vendo que era muito lento, o capitão preparou ele próprio sete granadas de morteiro e começou rapidamente a lançá-las.

Depois, montada a segurança, João Bacar deslocou-se à tabanca com a intenção de avisar a população que devia sair das casas e fugir para a mata.

Entretanto o grupo do PAIGC foi-se aproximando de nós, sem nós nos percebermos. O capitão pediu granadas de mão defensivas a Bailo Jau, este não tinha, foi o Fassene Sama que lhas passou para a mão. 

João Bacar tinha acabado de tirar a cavilha de uma quando o PAIGC abriu fogo sobre as nossas posições. Ouviu-se um grito do Furriel Bacar Sissé, tinha sido atingido por estilhaços de uma granada de RPG, que desfizeram um baga-baga. O capitão e eu corremos para o ferido. Vi o capitão baixar-se e, com a mão esquerda, apanhar a arma do Bacar, enquanto mantinha a granada descavilhada apertada na mão direita.

O capitão muito raramente andava com G-3, quase sempre levava a pistola e duas granadas de mão defensivas. Passou por mim, tinha dado talvez dois ou três passos e avistámos o disparo do RPG. Eu estava bem abrigado, protegido por uma raiz de uma árvore. João Bacar ajoelhou-se instantaneamente, o rebentamento deu-se atrás de nós e depois mais rebentamentos, tudo muito rápido.

 O capitão, que estava ajoelhado, a mão esquerda ocupada com a G-3, foi atingido no braço direito cuja mão segurava a granada sem cavilha. Perdeu força, não deve ter conseguido lançá-la e ela rebentou.

Saí da grande raiz que me servia de abrigo, a cerca de cinco metros, e comecei a puxar pelo capitão. Ainda estava vivo. Arrastei-o para uma zona mais segura e ajoelhei-me. A troca de tiros e de granadas prosseguia. Pus a cabeça do capitão em cima das minhas pernas.

- Uai, Nene[6]!

A granada tinha-lhe arrancado a perna direita, a mão direita e esfacelou-lhe a parte direita do tronco. Estava a morrer,  o meu Capitão João Bacar Djaló.

O Furriel Lalo Bailo gritou em mandinga:

- Uai ‘nte Báma, capitom fata[7]!

O Inimigo sabia o que estava a acontecer e intensificou ainda mais o fogo, enquanto o sentíamos mais perto. Era um grupo numeroso e chegámos a pensar que nos queriam apanhar à mão. Aos gritos chamei o Furriel Vicente Pedro da Silva[8]:

–  
Meu furriel, querem apanhar-nos à mão!

A morte do nosso comandante estava a tocar-nos muito, o nosso moral estava em baixo e o grupo do PAIGC cheirava isso.

–  
Calma!    ouviu-se a voz do Furriel Vicente.

Agarrou-me e ao Vicente Malefo e a mais dois ou três, lançou uma granada de mão defensiva e gritou bem alto:

–  
Comandos ao ataque! Cada um dispara dois tiros seguidos de cada vez, tum-tum! Vamos apanhá-los à mão, agora não façam mais tiros!

Com os gritos do nosso furriel começámos a avançar e eles recuaram. Depois, na acalmia que se seguiu, pedimos as evacuações, enquanto nos movimentávamos com o corpo do nosso comandante e carregando os feridos mais graves, o Alferes Justo, que se tinha ferido no joelho ao servir-se dele para apoiar o morteiro, e os Furriéis Bacar Sissé e Dabho.

Quando atravessávamos a bolanha ouvimos o silvo de um Fiat, picou sobre nós, largou uma bomba que só estremeceu tudo à volta e levantou outra vez. O Alferes Justo pegou no banana, o AVP-1[9], e conseguiu entrar em contacto com a esquadrilha. Que éramos nós e que precisávamos de um heli para evacuar os nossos feridos.

Momentos depois, talvez antes ainda das nove horas, fomos sobrevoados por dois 
[helis] , um armado[10] e outro que pousou com uma enfermeira que os transportou para Bissau, para o Hospital Militar.

Quando regressávamos a Tite,  vinha ao nosso encontro uma unidade e, em coluna auto,  fomos transportados para o Inchudé e daqui seguimos numa lancha para Bissau.

Eu vinha com o camuflado empastelado do sangue do meu capitão. No cais, num ambiente de grande tristeza, aguardavam-nos as nossas famílias e muitos amigos nossos.

Três ou quatro dias depois, já não me lembro bem, foi o funeral do João Bacar, que foi uma manifestação que Bissau nunca tinha visto.

Acaba aqui a história dessa grande figura humana, do grande fundador das milícias no sul, na sua terra de Catió. Quando lá estive com os “Fantasmas”, em 1965, com o Alferes Saraiva para operações no Como e em Cufar, o João Bacar escolheu milícias da sua confiança, para aprenderem a ser operacionais. 

O capitão entrou em dezenas de batalhas até acabar a sua vida numa simples patrulha de combate em Jufá, em circunstâncias um pouco estranhas, no dia negro de 16 de Abril de 1971.



Lisboa > Terreiro do Paço > 10 de junho de 1970 > "Dia da Raça" > Ao centro, o Capitão Graduado 'Comando' João Bacar Djaló, comandante da 1.ª Companhia de Comandos Africanos, condecorado com a "Torre e Espada", e que tive oportunidade de cumprimentar em Fá Mandinga, onde, na altura, estava sediada aquela unidade de elite (participou na Op Mar Verde, a invasão anfíbia de Conacri e numerosíssimas outras operações do mais elevado risco; seria morto em combate, meio ano depois,  de ser condecorado com a “Torre e Espada”). 

A segunda figura, da esquerda para a direita é o capitão-tenente Alpoim Calvão, cérebro da Op Mar Verde, que cheguei a ver, mas não conheci, nem de perto nem de longe, nos “paços” do “Comando-Chefe”, na Amura. 

Os restantes elementos da primeira fila, todos eles igualmente condecorados com a “Torre e Espada”, são o furriel Cherno Sissé (Guiné), e, salvo erro, o coronel Hélio Felgas e o ten mil inf José Augusto Ribeiro, cuja província/colónia onde prestavam serviço desconheço.

Fonte: Revista "Guerrilha", junho de 1970 (Publicação editada pelo MNF - Movimento Nacional Feminino. Edição e legendagem:  Mário Migueis da Silva (ex-fur mil rec inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72) (***)


Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério português > Abril de 2006 > Restos de lápides funerárias de soldados portugueses cujos corpos por aqui ficaram. Como o guineense Capitão Comando João Bacar Jaló, natural da Guiné, morto em combate em 16 de Abril de 1971.

Foto (e legenda): © A. Marques Lopes (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
_______________________

Notas do autor ou editor literário:

[1] Nota do editor: João Bacar Jaló nasceu em 2 de outubro de 1929, em Cacine. Foi incorporado no Exército, para o qual se voluntariou, no dia 1 de março de 1949. Em junho de 1951 encontrava-se ao serviço da 2ª CCaç, em Bolama, quando terminou o seu primeiro período militar. Nesse mesmo ano começou a trabalhar na Administração Civil, em Bissau. Em 1952 no Palácio do Governo e até 1958, sempre como funcionário da Administração Civil, em Bissalanca, Antula, Prábis e Safim.

 Entre 1958 e 1961 foi fiscal de fronteira no sul e em seguida desempenhou o cargo de comandante de ronda em Catió, que acumulou com as funções de oficial de diligências do Julgado Municipal. 

Com o início da actividade militar do PAIGG, João Bacar, já com 33 anos, alistou-se novamente, como comandante de Caçadores Naturais da Guiné. Foi graduado em alferes de 2ª linha em 8 de junho de 1965.

Depois foi nomeado comandante da Companhia de Milícias nº. 13 e um ano depois foi promovido a tenente. Depois de ter frequentado um curso de oficiais, João Bacar foi graduado em capitão e passou a comandar a 1ª CCmds Africanos.

 Ao longo da sua vida militar recebeu numerosos louvores. Foram-lhe atribuídas duas Cruzes de Guerra em 1964 e 1965 e era, desde 30Jun1970, Oficial da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito.

[2] O Soldado Abdulai Djaló Cula é natural de Bissau. Pertencia à equipa do Furriel Bacar Sissé que fazia parte do grupo de cerca de 40 homens que foram a Jufa, comandado pelo Capitão João Bacar Jaló.

[3] Dignitário Muçulmano.

[4] Havia a informação que um grupo do PAIGC ia passar a noite de 15 para 16 de abril de 1971 a uma tabanca de balantas, em Jufá, na zona de Tite. O João Bacar estava com um grupo emboscado junto à tabanca. Durante a noite, os cães da tabanca não pararam de ladrar. Quando amanheceu, João Bacar disse: 

“Nós vamos ali à tabanca, conversamos com a população, mas não passámos dali. Porque num sono muito rápido que tive, sonhei que o PAIGC me prendera. Amarraram-me, meteram-me num jipe, e eu consegui saltar do jipe em andamento. No chão, com as mãos e os pés atados não podia correr. O jipe fez marcha atrás, voltaram a apanhar-me e meteram-me outra vez no carro. Quando o carro voltou a andar, seguraram-me, para não me deixarem mexer. O jipe arrancou e acordei. "

Este sonho foi contado pelo João Bacar ao Furriel Braima Bá e ao Soldado Abdulai Djaló Cula, na manhã do dia em que morreu.

[5] Nota do editor: Justo Nascimento.

[6] - Ai, minha Mãe!

[7] - Ai, minha mãe, o meu capitão morreu!

[8] O Vicente Pedro da Silva foi mais tarde promovido a alferes. Talvez devido ás precárias condições em que vivia e cansado da incompreensão que sentia por não ver reconhecida a sua condição de português nascido na Guiné e antigo combatente das Forças Armadas Portuguesas suicidou-se em Lisboa, por volta de 2004.

[9] Nota do editor: Transmissor-receptor.

[10] Nota do editor: Sud Aviation SA-3160 “Alouette III”, c/helicanhão de 20mm, conhecido por “Lobo Mau”.

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Parênteses rectos com notas /  Subtítulo / Negritos: LG]
____________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


Vd. ainda poste de 2 de maio de 2009 > Guiné 63/74 – P4275: Tugas - Quem é quem (4): João Bacar Jaló (1929-1971) (Magalhães Ribeiro)

(***) Vd. poste de 30 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P20021: Recortes de imprensa (103): O 10 de Junho de 1970 na Revista Guerrilha, edição do Movimento Nacional Feminino, dirigida por Cecília Supico Pinto (1) (Mário Migueis da Silva)

quinta-feira, 21 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23184: (In)citações (203): Nós, os fulas e os nossos (mal-)entendidos, a propósito da expressão "(lavadeira) para todo o serviço" (Cherno Baldé / Mário Miguéis)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal > Rápidos do Saltinho > 3 de Março de 2008 > Lavadeiras do Saltinho.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentários ao poste P23180 (*):

(i) Cherno Baldé (Bissau):

O Sector de Empada, na região administrativa de Quínara, é habitada maioritariamente por Biafadas, contando com uma presença negligenciável de outras etnias como Fulas, Manjacos e Papel. De referir que esta localidade deu alguns comandantes dignos de registo ao movimento da libertação.

Quanto ao caso em apreço, como é habitual no contacto entre europeus (portugueses) e africanos, na minha opinião, deve haver um "grande" mal entendido, derivado da diferença de culturas e da deficiente comunicação entre os comunicantes de parte a parte, pois que, em meados de 1964 o nivel de percepção e entendimento correcto da lingua portuguesa a nível de todo o territorio não devia ultrapassar os 2% do total da população. 

E numa localidade como Empada, no início da guerra, devia ainda ser muito inferior e o ex-alf mil  Joaquim Jorge fala de dois homens grandes que, na melhor das hipóteses, nem o Crioulo dominavam.  Qual podia ser o diálogo possível entre um alferes metropolitano que não conhecia uma única palavra dos locais e dois homens grandes que nem sequer falavam o Crioulo?... Certamente um enigma.

E,  de mais a mais, em nenhuma sociedade conhecida do mundo, seja ela "civilizada" ou "arcaica",  um(a) avô/ó  poderia atribui-se a si a prerrogativa de dar a outrem, seja em que condições fossem, a sua neta para ser usada "para todos os serviços". Isto não pode existir senão na cabeça de alguém que desconhece completamente a cultura dos fulas.

Na verdade, em Empada, existia e penso que ainda continua a existir uma pequena comunidade de fulas dispersos pela zona e que, com o início da guerra, poderiam concentrar-se em Empada por razões de segurança, mas habitando fora do seu chao de origem, não estariam organizados colectivamente de modo a ter uma chefia, de modo que o homem grande em questão deveria estar a agir por sua conta e risco e não representava ninguém em particular a não ser que a isso fosse impelido por força da guerra e pela presença intimidante da tropa.

Em África, foram registados e são bem conhecidos os casos de ofertas de serviços (inclusive sexuais) a certas personalidades estrangeiras e não só como forma de hospitalidade em contextos variados e que vinham de períodos anteriores à colonização, mas que, todavia, não era uma particularidade unicamente africana, pois antes da chegada dos europeus a África já mantinha relaçoes seculares com os povos do Mediterrâneo Sul e do Médio Oriente.

Não é a primeira vez que leio estórias semelhantes vindas de portugueses (metropolitanos) que, se bem que possa haver alguns casos verídicos, na maior parte são fruto de uma interpretação errada dos factos e/ou de pura imaginação ligada a preconceitos tipicos do período do Estado Novo.

PS - O nome indicado como sendo do homem grande (Xalá) nao existe na nomenclatura da língua e cultura fula. E eu vejo nisso mais um indício da fraqueza do facto testemunhado.


(ii) Mário Miguéis (Esposende):

Nos meus dois anos de comissão na Guiné, salvo um breve contacto de duas semanas com balantas, nos Nhabijões, só estive em regiões onde os fulas eram, sem exceção, a etnia dominante. 

E, pelo que me foi dado observar ao longo do tempo (e eu lidava muito com as populações), não havia, nem de longe nem de perto, situações como a descrita pelo nosso camarada Joaquim Jorge, ou seja, não havia, pura e simplesmente, casos de favores sexuais prestados por responsáveis nativos a quem quer que fosse. 

Aliás, acompanhei a rendição de uma por outra unidade ao longo de todo o período de sobreposição e não só ninguém veio propriamente prestar vassalagem aos vindouros como os nossos anfitriões se mantiveram sempre à distância até o comandante da nova companhia lhes ser apresentado. 

Os fulas eram muito "senhores do seu nariz" e, para além disso, sabiam "dar-se ao respeito", comportando-se com uma dignidade que eu sempre admirei. 

Por isso me inclino para a tese do nosso camarada Cherno Baldé, justificando a confusão que se gerou na cabeça do novel e imaturo comandante (que me perdoe a piada o nosso camarigo Joaquim Jorge, que muito prezo) com uma incorreta tradução dos serviços a prestar (de lavadeira, não mais que isso) por parte do inabilitado intérprete, ele próprio traído, se calhar, pela tal expressão da "criada/lavadeira para todo o serviço",  muito utilizada, com a costumeira fanfarronice, por alguns militares menos discretos.

Agora, relações sexuais deste com aquela e daquela com este, independentemente de favorecimentos, isso é óbvio que acontecia com a naturalidade que acontece ainda hoje em qualquer parte do mundo. 

E, já agora, quanto à nomeação dos atores em presença, o bom senso ditará sobre a sua inconveniência ou não, tendo em atenção os usos e costumes, ao tempo, de cada grupo étnico. (**)
___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 19 de abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23180: Recordações de Empada do meu tempo (Joaquim Jorge, ex-alf mil, CCAÇ 616, 1964/66) (1): Xalá Baldé, o homem grande da etnia fula, que me veio prestar vassalagem e oferecer a sua neta, jovem e bonita bajuda, "para todo o serviço"...

domingo, 17 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23176: Efemérides (364): Tempo de recordar - Guerra Colonial, O Calvário de Uma Geração - 50 anos decorridos sobre a tragédia de Quirafo, 17 de Abril de 1972 (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf)

A propósito da tragédia de Quirafo que ocorreu faz hoje exactamente 50 anos, transcrevemos, com a devida vénia ao nosso camarada Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), o texto por ele publicado na sua página do facebook:


Tempo de recordar

Guerra Colonial, O Calvário de Uma Geração - 1

Cumpre-se hoje, 17/04/2022, exatamente meio século sobre o dia mais triste da minha vida. Foi no leste da Guiné, numa manhã de sol inclemente, num sítio chamado Quirafo. Éramos vinte, em duas viaturas. Uma emboscada. Um numeroso grupo inimigo que nos metralha com canhões, lança-rockets e metralhadoras. Num minuto, pouco mais, morrem-nos doze homens e seis ficam feridos, alguns dos quais com muita gravidade. Na noite que se segue à tragédia, puxo do meu bloco de notas e escrevo:
Vinte e duas horas. Do dia mais triste da minha vida. Aqui, na desoladora messe de oficiais e sargentos, apenas eu. Nem o responsável pelo bar ficou. Todos recolheram à solidão dos abrigos, possivelmente para meditar. Lá fora, um silêncio de morte. Um silêncio estranho e sepulcral, de que faz parte este maldito e cadenciado martelar que tende a rebentar-me os tímpanos e o sistema nervoso. Já o não suporto mais. Corro para a porta, a fechá-la. E não posso evitar um fugidio olhar. Um fugidio olhar suficiente para que sinta o coração esfrangalhar-se-me e este terrível nó seco na garganta, que me comprime a alma: o cangalheiro, rodeado de urnas por todo o lado, trabalha. Sereno. Indiferente.

Aturdido, encosto a porta com todo o cuidado e venho de novo sentar-me. Sinto-me cansado. Abatido. Gostava de fechar os olhos e adormecer. Mas, não consigo. A certa altura, parece-me ouvir um assobiar baixinho… Mas, o que é isto?!... Apuro o ouvido, e não, não é. Parece mais alguém que trauteia qualquer coisa, uma cantilena qualquer… Volto a correr para a porta, agora intrigado e enraivecido.

Nada. Só o silêncio. E o cangalheiro. Que prossegue no seu trabalho, taque-taque, taque-taque. Com a mesma serenidade. A mesma indiferença.

E o sentimento de revolta apodera-se de mim com mais intensidade. Sinto vontade de lhe cair em cima. De o agredir. De lhe dar dois socos.

Mas, contenho-me. Volto covardemente para o meu canto, como um cão lazarento com o rabo entre as pernas, e ponho-me a pensar. A tentar refletir sobre o que se passa comigo e com a cena macabra que me envolve. E vêm-me à cabeça as lágrimas, os abraços e os lenços brancos das despedidas em Lisboa, lá no cais das não sei quantas. Meu Deus, e os pais?!... Que será dos pobres pais, coitados, quando souberem da triste nova?!... Eles que, cada dia, antes da deita, caem de joelhos aos pés do Cristo, da Virgem, do Anjo da Guarda e de todos os santos protetores e mais alguns, a pedirem a salvação dos seus filhinhos?!... Era tão bom, tão alegre, tão cheio de vida…

É isso que vos espera, camaradas, lá no outro lado do mundo: o choro, o lamento, a recordação.

E nós, por cá… Nós, por cá, todos bem graças a Deus. Beijinhos para os manos, tios e priminhos. Cumprimentos aos vizinhos e amigos. Adeus, até ao meu regresso.

Saltinho, 17 de Abril de 1972
Mário Migueis


"António Ferreira", 1.º Cabo TRMS, morto durante a emboscado do Quirafo
Homenagem do nosso camarada Mário Migueis
Acrílico: © Mário Migueis da Silva (2010). Todos os direitos reservados





Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Picada de Quirafo > Fevereiro de 2005 > Restos da GMC da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), que transportava um grupo de combate reforçado, comandado pelo Alf Mil Armandino, e que sofreu uma das mais terríveis emboscadas de que houve memória na guerra da Guiné (1963/74)... 
Foram utilizados LGFog e Canhão s/r. Houve 11 militares mortos, 1 desaparecido... Houve ainda 5 milícias mortos mais um número indeterminado de baixas, entre os civis, afectos à construção da picada Quirafo-Foz do Cantoro. A brutal violência da emboscada ainda era visível, em Fevereiro de 2005, mais de três décadas, nas imagens dramáticas obtidas pelo Paulo Santiago e seu filho João, na viagem de todas as emoções que eles fizeram à Guiné-Bissau.

Fotos: © Paulo e João Santiago (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]

____________

Nota do editor

Último poste da série de 27 DE FEVEREIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23038: Efemérides (363): Há meio século, nestes dias 26 e 27 de Fevereiro, sábado e domingo, foi levada a cabo a Operação Juventude V na zona Caboiana/Churo (Ramiro Jesus, ex-Fur Mil Cmd, 35.ª CComandos, Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73)

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23017: In Memoriam (428): Carlos Alberto Oliveira Santos, ex-Fur Mil da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72) que faleceu em Coimbra no passado dia 19 de Fevereiro de 2022 (Mário Migueis da Silva)

IN MEMORIAM

Carlos Alberto Oliveira Santos
Ex-Fur Mil da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72)


1. Mensagem de Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), com data de 21 de Fevereiro de 2022, com a notícia do falecimento do nosso camarada Carlos Santos, ex-Fur Mil da CCAÇ 2701, ocorrido no passado dia 19, em Coimbra:

Caro Carlos Vinhal
Assim, um pouquinho a correr, venho juntar fotografia e legenda alargada do Carlos Santos, camarada da CCAÇ 2701, falecido no passado dia 19, em Coimbra.

Era figura muito querida de toda a malta, nomeadamente do nosso amigo Paulo Santiago.

Se não vires qualquer inconveniente, agradecia a publicação respetiva.

Um grande abraço,
Mário Migueis


Distribuindo sorrisos, palavras amigas, abraços calorosos...

Distribuindo sorrisos, palavras amigas, abraços calorosos, na Guiné, como por cá, eis o retrato fiel do Carlos Santos, homem-grande de coração enorme, que, no passado dia 19, para grande mágoa nossa, nos deixou para sempre.

Residente em Coimbra, mas natural do concelho de Cantanhede, foi furriel miliciano da CCAÇ 2701, tendo cumprido, nos três primeiros anos da década de 70, a sua comissão de serviço na Guiné, onde, um dia, o fui encontrar.

Foi um privilégio tê-lo como amigo, merecendo-me, desde sempre, a maior consideração e estima, ou não tivesse sido ele o primeiro camarada a dar-me as boas-vindas à minha chegada ao Saltinho.


Entre as inúmeras histórias, com o seu quê de anedótico, que ele gostava de recordar, à gargalhada, durante os nossos convívios do pós-guerra, sempre figurava a que se segue:
Perante a iminência de um ataque com artilharia ao Saltinho, pedimos uma batida da zona de tiro provável a Aldeia Formosa. Já as granadas de obus sibilavam sobre as nossas cabeças, foi-me o Carlos Santos encontrar, a mim, homem das informações, bloco e lápis na mão, sentado, sem qualquer resguardo, num dos degraus de acesso à messe:

– Que é que estás a fazer aqui, Migueis?!... – o Santos, preocupado.

– Não me distraias, bolas!... Não vês que estou a tomar nota do número de obuses e da hora exata a que cada um nos passa por cima?...

********************

Comentário do editor:

O nosso camarada Carlos Santos foi, praticamente, desde a primeira hora um seguidor do nosso Blogue, tendo participado no emblemático I Encontro da Tertúlia na Ameira, no já longínquo ano de 2006. Esteve ainda presente nos II; III e V Encontros.
Esta foto é referente ao III Encontro de 17 de Maio de 2008, na Quinta do Paúl, Ortigosa, Leiria. O Carlos Santos entre o seu amigo Julião (Martins Julião, Alf Mil da CCAÇ 2701?) e o David Guimarães.

À família do nosso malogrado amigo e camarada Carlos Santos, apresentamos as nossas mais sentidas condolências.

Mais um Combatente que foi reforçar o contigente celestial, onde, mais tarde ou mais cedo, nos vamos alistar todos.

____________

Nota do editor

Último poste da série de 19 DE FEVEREIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23010: In Memoriam (427): Notícia do falecimento do nosso camarada Alberto Roxo Cruz, PilAv da BA 12 (Bissalanca, 1968/70 e 1972/74)

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22876: Efemérides (360): Os 50 anos da Corrida de São Silvestre no Saltinho, 1971/72 (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), com data de 2 de Janeiro de 2022, que nos traz uma reportagem da corrida de São Silvestre no Saltinho, passagem de ano de 1971 para 1972, já lá vão exactamente 50 anos.


São Silvestre no Saltinho

Na passagem de 71 para 72, ou seja, há exatamente meio século (Santa Maria, Mãe de Jesus, o tempo que já lá vai…), encontrava-me eu na CCAÇ 2701, no Saltinho, para onde fora destacado, em serviço de diligência, sete meses atrás.
Tal como em Bambadinca, onde fizera inicialmente um estágio de cerca de três meses por conta dos Serviços de Informação Militares, não houve ceia especial e, muito menos, réveillon. Mas, no primeiro dia daquele “prometedor” Ano Novo, ao toque de alvorada, toda a gente se levantou de um pulo para participar na Grande Prova de Atletismo de São Silvestre, que tinha a respetiva partida marcada para as nove da manhã, na tabanca de Sinchã Maunde Bucô.
Era uma prova com apenas cerca de 10 km, aberta a militares e civis com assento na região, com prémios apetecíveis para os cinco primeiros classificados. Não seria, pois, de estranhar a fartura de candidatos que acorreu ao ponto de partida, conforme nos documenta, embora sem zoom, a foto n.º 1 de um qualquer repórter desconhecido.
Mas, interessante, interessante, seria reunir agora os mesmos atletas e pô-los a repetir a corrida de há cinquenta anos atrás.

Lá ao fundo, em Madina Bucô, toda a gente preparada para a partida (o jipe, ao volante do qual está o Capitão Carlos Clemente, fará as vezes dos batedores da polícia)
Estes dois ciclistas (o Migueis, à civil, e um dos professores da CCAÇ2701) funcionariam como uma espécie de diretores/controladores da corrida.
O carro da comunicação social, com especial destaque para a RTS (Rádio Televisão do Saltinho). O bigodinho preto e os rayban são do Furriel Miliciano Faria (Transmissões)
Frente do carro-vassoura com meros acompanhantes da corrida (os desistentes da prova vinham na traseira da viatura, que outro lugar não mereciam); com uma folha de papel na mão, o 1.º Cabo Escriturário Simão (entretanto falecido).
Posto de controlo na linha de chegada, à entrada principal do aquartelamento (o Alves, furriel miliciano vagomestre, está sentado à mesa, pronto a verter para o papel os nomes dos atletas por ordem de chegada; de pé, a seu lado, e de AVP1 no ouvido, o Damas (Transmissões); e à frente, mais duas figuras das Transmissões, cujo nome, de momento, não me ocorre; à esquerda, sentadinho atrás do ensonado cão de guarda, o 1.º Sargento Picado, já falecido (está sepultado em Aveiro, sua terra-natal, segundo creio).
Chegada dos segundo e terceiro classificados da prova. O vencedor foi o 1.º Cabo Cosme, do Pelotão de Caçadores Nativos 53, de que não tenho imagens (com um treinador como o Alferes Paulo Santiago…)
Na imagem, um dos tais "diretores/controladores” da prova (curiosamente, apesar de se deslocar em bicicleta, chegou depois de todos os outros - areão no piso, justificar-se-ia). Se repararmos bem, estava toda a gente de tacha arreganhada, falta saber onde estava a piada: atrás do Migueis, o 1.º Cabo Lourenço; na berma da estrada, dois homens das Transmissões, o 1.º Picado (calça escura) e alguns miúdos da população do Saltinho.
Traseira do carro-vassoura à chegada, com os desistentes da prova a meio-caminho, se tanto.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 1 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22768: Efemérides (358): Cerimónia de Concessão de Honras de Panteão Nacional a Aristides de Sousa Mendes, Lisboa, 19 de outubro de 2021 (João Crisóstomo, Nova Iorque)

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22805: O meu sapatinho de Natal (9): Os meus Natais de 1970, em Bambadinca, e 1971, no Saltinho (Mário Migueis da Silva, Ex-Fur Mil Rec Inf)

Ilustrações do cartunista Augusto José de Matos Sobral Cid (Horta, 1941 . Lisboa, 2019). Cromomensagens, Edição dos Estúdios Arte, s/d. É um dos grandes cartunistas portugueses.

"Durante a comissão militar prestada no leste de Angola entre 1966 e 1967 produziu uma série de caricaturas publicadas na Revista Militar de Luanda que, mais tarde, foram compiladas no livro Que se Passa na Frente?!! (editado pelo autor em fevereiro de 1974), onde Cid denuncia o nonsense que é a guerra." (Fonte: Infopédia >Augusto Cid)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, BissauBambadinca e Saltinho, 1970/72), com data de 11 de Dezembro de 2021:

Caro Carlos Vinhal:

Para eventual publicação durante a presente quadra natalícia, junto oito postais de Boas-Festas, os quais me foram remetidos por familiares no Natal de 1970, e outras tantas fotografias alusivas ao Natal de 1971. E, já agora, meia dúzia de letras introdutórias, tal como segue:


O meu primeiro Natal na Guiné passei-o em Bambadinca, onde me encontrava a estagiar por conta do Serviço de Informações Militar. Era meu tutor do estágio o Major Barros e Basto, responsável pelo Serviço de Operações e Informações e 2.º comandante, em exercício, do BART2917. 

Ali encontrei o Luís Graça e os restantes elementos da CCAÇ 12, dois dos quais, o Roda e o Pina (furriéis milicianos), eram meus companheiros de quarto. Ali tinha lugar também, para além de outras unidades, o Pelotão de Reconhecimento Daimler (Cavalaria) do Alferes Jaime Machado, depois substituído, salvo erro, pelo Alferes Vacas de Carvalho, e do Sargento Paulino das bigodaças loiras e retorcidas à senhor morgado. 

Muito haveria/haverá para contar destes três meses passados em Bambadinca, mas o facto de, infelizmente, não poder dizer maravilhas de algumas das personagens que lá conheci e com as quais tive uma relação de muita proximidade por força do “ofício” tem-me refreado os ímpetos que, de longe em longe, me levam ao teclado com vontade de “cortar a direito”. 

E, assim sendo, aqui vai, em alternativa, uma simples mensagem de paz e amor para todos os nossos “tabanqueiros” e simpatizantes, com a reprodução de oito postais de Boas-Festas que, nesse Natal de 1970, me foram remetidos por familiares (é interessante verificar que os nossos familiares, para além de se preocuparem com o nosso bem-estar físico, não esqueciam a importância do nosso estado de espírito, procurando, a cada momento, animar-nos, levantar-nos a moral).

O Natal de 1971, esse, passei-o já no Saltinho, para onde fui destacado, em diligência, após o estágio referido e um mês de formação na Sala de Informações do Comando-Chefe (Fortaleza da Amura). 

Tal como no ano anterior em Bambadinca, não houve ceia na noite de Natal, pois os aquartelamentos estavam de prevenção. Mas, no Saltinho, no dia 25, houve almoço melhorado para todas as praças, tendo os comensais da messe da oficiais e sargentos almoçado numas instalações improvisadas na ampla varanda de um abrigo, dado o elevado número de participantes reunido. É para esse almoço que vos remetem as fotografias que estou a anexar, as únicas, aliás, de que disponho alusivas ao Natal de 1971.

Boas Festas para todos,
Esposende, 10 de Dezembro de 2021
Mário Migueis

N.B. – Já que não fiquei mal de todo face à objetiva de não sei quem, anexo igualmente duas fotos minhas tipo passe, uma de farda nº 2 e crachá do Q.G. – o pipi do ar condicionado –, remontada ao tempo em que estive em Bambadinca, e outra, de camuflado, em que já sou um homem-feito, bigodes de respeito e ares de grande guerreiro, por alturas da minha estada no Saltinho.
25/12/71 - Almoço Natal 71 – Saltinho. Da esquerda para a direita: Fur Mil Migueis da Silva (S.I.M. / Informações); Fur Mil Faria (Transmissões); Fur Mil Bernardes (Armas Pesadas); mais atrás, o 1.º Cabo Lourenço (Messe de Oficiais e Sargentos)
25/12/71 - Almoço de Natal. Ao fundo, da esquerda para a direita: Sargento Calado (Logística), seguindo-se-lhe os furriéis milicianos Migueis da Silva, Faria e Bernardes; de perfil, à esquerda: Fur Mil Reis (Mecânica/Auto).
Fila da esquerda, os três primeiros: furriéis milicianos, Josué e Vale (Atiradores) e Pires (Professor), todos da CCAÇ 2701. Fila da direita, os três primeiros: furriéis milicianos, Freire (Enfermeiro da CCAÇ 2701), ……?…….. e Gomes, ambos do Pel Caç Nat 53.
Sem legenda
1970 > Mário Migueis em Bambadinca
1971 > Mário Migueis no Saltinho
____________

Nota do editor

Último poste da série de 10 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22797: O meu sapatinho de Natal (8): os últimos cinco Natais (, de 2021 a 2017), pelo nosso "poeta todos os dias", o 1º srgt art ref Silvério Dias, também conhecido como radialista do Pifas ou "senhor Pifas"

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21316: Tabanca Grande (501): Carlos Barros, ex-fur mil, 2ª CART / BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74) que passa a sentar-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 815... É natural de Esposende e professor aposentado.


Carlos Barros, novo membro da Tabanca Grande, nº 815. Foi fur mil at art, 2º CART / BART 6520/72 (1972/74), "Os Mais de Nova Sintra"


1. Mensagem de Carlos Barros, ex-fur mil. 2ª CART / BART  6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74) (*), que passa a sentar-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 815:


 
Data: 18/06/2020, 20:43

Um pouco da minha biografia:

(i) Sou Professor Aposentado, casado, embora continue , como voluntário num Projeto de Leitura/Literacia, numa Escola do Concelho de Esposende, "Escola de Mar";

(ii) sou dirigente, há mais de 15 anos,  da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Esposende (AHBVE);´

(iii) pertenço à  Redação do Jornal "Farol de Esposende!,  redator permanente;

(iv) organizo anualmente, o Encontro/Convivio dos "Mais de Nova Sintra, (vamos no 45º),  sempre no Centro do País: Mealhada-Águeda-Recardães:  o 1º organizador foi o furriel José Sousa Gonçalves (12 anos seguidos,  de 1975 a 1987) e agora sou eu, nas calmas e faço-o com muito carinho;

(v) intervenho noutras atividades -Futebol;  fui Presidente da ADE (, Associação Desportiva de Esposende) e dirigente muitos anos;

(vi) em suma, sou um cidadão simples, humilde , solidário e interveniente.

Fico por aqui...Um abraço
Carlos Barros (Ex-furriel Miliciano)
Bart 6520/ 2ª Cart.

Nota: Todos os nossos testemunhos serão importantes para construir a História da Guerra Colonial

2. Resposta do editor LG, na volta do correio:

Carlos, então somos colegas, ambos somos professores, um profissão nobre...Na tua terra, Esposende, tenho amigos... E há um camarada do nosso blogue, que esteve comigo em Bambadinca, em finais de 1970, o Mário Miguéis da Silva, bancário reformado e talentoso cartunista... És capaz de o conhecer...Esteve no Saltinho, não muito longe de ti, que estavas m São João, mais a sul..

Mas vejo que não me mandaste nenhuma foto, das que te pedi, uma mais ou menos atual, e outro do "antigamente"... Vê lá isso, para eu te poder apresentar à Tabanca Grande, com pompa e circunstância... E também consegui abrir as fotos da entrega do aquartelamento de Nova Sintra, em 17 de julho de 1974, e outras do teu álbum, que me mandaste e que querias partilhar com os nossos leitores. Aguardo a 2ª via,

Boa saúde, boa reforma, bom desconfinamento... Luís

3. No mesmo dia, 18 de junho, às 22h43, o Carlos Barros respondeu:

Boa noite:

O Mário Miguéis é meu conterrâneo e grande amigo de infância. Estudamos juntos em Esposende, é um ano mais velho que eu, no Externato Infante Sagres.

A família são talentosos em "cartoon", todos eles, com ligeiras diferenças no talento. No ano passado fui a Lamego visitar o irmão. o Arquitecto Quim Miguéis.

Sabia que tinha estado em S. João onde esteve o alferes Garcia que faleceu assim como o nosso capitão da Companhia, Armando Cirne.

Ser professor é algo de dignificante e marcante na sociedade, sem desprimor para as demais profissões. Ser professor é ser diferente...

Por hoje é tudo. Um abraço e b.f.s.

Bom fim de semana.
Carlos Barros
Esposende 

4. Comentário de L.G.:

As tais fotos "históricas" não há maneira de cá chegarem... Mas entrentanto o Carlos Barros tem estórias do seu tempo de "soldado do fim do império" que aguardam publicação. Para não atrasar mais a sua edição, o Carlos Barros fica apresentado à Tabanca Grande, o que já devia ter acontecido há  dois meses atrás. Senta-se agora no lugar nº 815 (**), não precisa de pedir mais licença para entrar... Tem página no Facebook.

Sobre a sua companhia e batalhão, a 2ª CART / BART 6520/72, acrescentaremos o seguinte; mobilizados pelo RAL 5, partiram para o TO da Guiné em 23 de junho de 1972 e regressaram a 21 de agosto de 1974. Oficialmente estiveram em Nova Sintra e Bissau. Comandantes de companhia: cap mil inf Armando da Fonseca Cirne; cap art José Manuel Campante de Carvalho; e cap mil inf João Barbosa Machado. E ficaram justamente conhecidos pro "Os Mais de Nova Sintra".

O comano e a CCS do BART 6520/72, por sua vez esteviveram, em Tite, tendo por  o batalhão por comandantes o ten cor art Rui Ferreira dos Santos, e ten cor art Fernando José de Alemeida Mira. 

A 1º CART esteve em Jabadá e Bissau (cap mil inf José Pereira Baptista Dias), e a 3ª CART em Fulacunda (cap mil inf José João Mousinho Serrote).
___________

Notas do editor: