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quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27299: In Memoriam (559): Suleimane Baldé (1938-2025), régulo de Contabane, ex-1º cabo do Pel Caç Nat 53 (1968-1974), filho do régulo Sambel Baldé e de Fatumatá; fica inumado, simbolicamente, à sombra do nosso poilão, no lugar nº 908


Guiné-Bissau >  Região de Bafatá > Saltinho > Sinchã Sambel > 2015 : O Zé Teixeira e o Suleimane Baldé (1938-2015), régulo de Contabane...É a foto mais recente que temos dele. Os dois conheceram-se em Mampatá, em 1968

Foto (e legenda): © José Teixeira (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Sinchã Sambel (antiga Contabane) > 3 março de 2008 > O Suleimane Baldé, régulo de Contabane, à direita o Pedro Lauret, e à esquerda o Paulo Santiago, seu antigo comandante, quando ele era, em 1970/72, 1º cabo do Pel Caç Nat 53. Foto tirada por ocasião do Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1-7 de março de 2008)

Foto (e legenda): © Paulo Santiago (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Matosinhos > Tabanca de Matosinhos > s/d > O Suleimane Baldé, ao centro, à sua direita, o Paulo Santiago, à direita o Mário Miguéis da Silva (que conheceu o Suleimane no Saltinho, em 1970) e de perfil o Zé Teixeira.

Foto (e legenda): © Paulo Santiago (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem de Paulo Santiago (ex-alf mil, cmdt, Pel Caç
Nat 53, Saltinho, 1970/72)

Paulo Santiago


Data - 8 out 2025 11:38

Assunto - In memoriam: Suleimane Baldé

Soube há pouco, por telefonema do Zé Teixeira, da morte súbita, ontem, do Suleimane Baldé, antigo 1º cabo do Pel Caç Nat 53 que comandei entre out/70 e ago/72.

O Suleimane, filho do Sambel Baldé e da Fatumatá (morreu aos 100, em 2010),  herdou do pai o regulado de Contabane. 

Em outubro de 1970 eu era um puto ao lado do Suleimane, dez anos era a diferença entre os meus 22 e os dele 32. Fomos bons camaradas.

Ficou algumas vezes em minha casa, quando de vindas a Portugal. 

A foto em anexo  foi tirada numa dessas vezes. Aconteceu na Tabanca de Matosinhos, na imagem Mário Miguéis, que conheceu o Suleimane no Saltinho, e de perfil o Zé Teixeira.

Descansa em paz, camarada Suleimane.

PS - O Suleimane Baldé foi, de facto, também  milícia, antes de ingressar no Pel Caç Nat  53. Esclareça-se, por outro lado, que os moradores de Contabane não  foram dispersos por Aldeia Formosa e Mampatá, A grande maioria,foi "instalada" junto da picada que seguia para o Xitole a cerca de 1 km do quartel do Saltinho, Foram estes antigos moradores da destruída Contabane que ajudaram militares da CCaç 2701 na construção da actual Sinchã Sambel, onde vivi os meus últimos meses de comissão.

Já no século XXI, eu e o antigo cap Carlos Clemente, hoje coronel na situação de reforma, fomos ouvidos, várias vezes, acerca de um ferimento sofrido,  junto a um ouvido, pelo 1º cabo Suleimane Baldé e que lhe provocava  perda de audição. Foi uma situação complicada. Uma operação irregular, sem relatórios escritos, com o grupo do Marcelino da Mata. Mais por declarações do Clemente,do que minhas, foi atribuída uma pensão ao Suleimane.
 

Zé Teixeira

2. Mensagem  do José Teixeira (ex- 1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70):

SULEIMANE BALDÉ, UM AMIGO QUE PARTIU PARA O ETERNO AQUARTELAMENTO. (*)

Tive o prazer de conviver com o Sulimane (como eu o tratava), na segunda metade do ano de 1968 em Mampatá Forreá, onde ele estava colocado na Milícia local. 

Suponho que já estava casado com a Naná, filha do régulo, o alferes de segunda linha Aliu Baldé, de quem guardo as melhores recordações, bem como dos seus filhos e de toda a gente com quem convivi. 

Nessa altura, não sabia que ele era filho do régulo Sambel de Contabane, a viver em Aldeia Formosa (Quebo)  depois da tabanca onde vivia (Contabane) ter sido atacada e  queimada, no dia 22 de junho desse ano.(**)

Quando em 2005 voltei à Guiné, encontrei-o na tabanca de Sinchã Sambel, no Saltinho – tabanca, onde o seu pai se fixou e com ele a sede do regulado de Contabane, agora nas mãos do Sulimane. 

Foi a esposa, a Naná,  que me reconheceu e me fez recordar, os tempos passados em Mampatá, trinta e cinco anos antes, uma surpresa profundamente agradável para quem regressava à Guiné, agora como voluntário para reviver os tempos, os bons e os menos bons, de outrora.

Foi um prazer grato voltar e encontrar o casal e solidificar a amizade que nos unia desde a minha estadia em Mampatá.

Voltei à Guiné várias vezes, com paragem obrigatória por Sinchã Sambel para conviver com o Sulimane e família. 

Levei a sua casa os meus filhos e a minha esposa, os camaradas e amigos que me acompanhavam nas visitas à Guiné. Fui sempre recebido como um filho, pelo Sulimane e pela Naná, também falecida há alguns meses atrás.

O Paulo Salgado, seu conhecido e amigo de outras andanças pela Guiné, quando o Sulimane era seu 1º cabo no Pel Caç Nat 53,  no Saltinho, trouxe-o à tabanca de Matosinhos. Tive a oportunidade de várias vezes o ir visitar a Lisboa, quando ele vinha cá, sobretudo por causa das doenças que o apoquentavam, o mesmo acontecia quando a Naná estava em Lisboa.

Escrever sobre o Sulimane é falar de um homem íntegro, um grande líder étnico, um guineense que também era um português de alma e coração. Um homem simples, cordato, conversador e firme nos seus ideais. Um gigante, que muito me ensinou nos diversos encontros que tivemos.

Faleceu no  passado dia 7, com oitenta e sete anos.

Com a sua morte, fiquei mais pobre.
Fica em paz, querido amigo.

Junto fotos nos nossos encontros.

Zé Teixeira

(Fonte: página do facebook do José Teixeira, 8 de outubro de 2025, 23:22)


3. Comentário do editor LG:

O Suleimane Baldé era 1º cabo do Pel Caç Nat 53, ao tempo do Paulo Santiago, seu comandandente no época de 1970/72. Era DFA (com 30% de incapacidade, por estilhaço num ouvido, resultante de uma nina A/P. Fez operações "irregulares" para lá da fronteira com o grupo do Marcelino da Mata. Herdou de seu pai o regulado de Contabe. A sua tabanca, Contabane, foi riscada do mapa pelo PAIGC, em 22 de junho de  1968. (**)

Veio a Portugal várias vezes. Manteve sempre fortes laços afetivos aos "tugas" (em especial ao José Teixeira, ao Paulo Santiago, Mário Miguéis da Silva). Por todas as razões, e sendo um dos valorosos camaradas da Guiné, passa a ser inumado, simbolicamente, sob o poilão da Tabanca Grande, no lugar nº 908. Tem várias referências no nosso blogue.

As fotos  que publicamos são elequoentes: tanto o Zé Teixeira como o Paulo Santiago sempre tiveram um especial carinho por este nosso camarada e sua família.

São dois "tugas" com uma enorme sensibilidade sociocultural, e capacidade de empatia,  que honram a Tabanca Grande:  um e outro conheceram a senhora Fatumatá, ainda em vida, o Paulo Santiago (ex-alf mil do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72, que voltou à Guiné em 2005, 2008 e 2010), e o José Teixeira (ex-1.º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), que foi à Guiné-Bissau ainda mais vezes (pelo menos, 2005, 2007, 2008, 2013, 2015, se não erro)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Sinchã Sambel >  2005 > A mulher do régulo local, a que está a ordenhar a vaca, casada com o régulo de Sinchã Sambel,  Suleimane Baldé, antigo 1º cabo do Pel Caç Nat 53, filho do antigo régulo de Contabane, Sambel Baldé. 

Depois da evacuação de Contabane, em a população dispersou-se por Mampatá e Aldeia Formosa. Mais tarde,foi reunida numa nova tabanca, junto ao Saltinho, Sinchã Sambel, em homenagem ao régulo, que foi sempre leal aos portugueses (era um firme alidado de Spínola).

Foto (e legenda): ©  José Teixeira (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Contabane > Sinchã Sambel > 3 março de 2008 > "Eu, o Pedro Lauret com o régulo Suleimane Baldé, régulo de Contabane, e outros habitantes da tabanca"

Fotos (e legendas): © Paulo Santiago (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Região de Bafatá >  Sinchã Sambel > 2005 > "Fatumatá, esposa do régulo Sambel de Contabane.T
irei-lhe esta foto  em 2005 quando ela tinha 96 anos, segundo me disse a Meta Baldé (Naná), esposa do Suleimane Baldé, o filho e atual régulo.   À data estava perfeitamente lúcida. A imagem que me ficou dela foi o seu abraço prolongado enquanto me dizia com emoção 'Branco e na volta, Branco e na volta'.  Quando faleceu em 2010,  tinha efetivamente 100 anos. 


Foto (e legenda): ©  José Teixeira (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís GRaça & Camaradas da Guiné]


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Sambel > 2005 > Fota da dona Fatumatá, viúva do régulo de Contabane, Sambel Baldé, aliado de Spínola... Era já viúva, quando morreu, em 2010 ("com 114 luas, dizem uns, ou 100 anos, dizem outros".  


Foto (e legenda): ©  Paulo Santiago  (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Sambel > 2013 >   Zé Teixeira, Naná, Maria Armanda e Suleimane Baldé



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Sambel > 2013 >  
A famíla Baldé e a família Teixeira  



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Sambel > 2015 >  O "Sulimane", como lhe chamava o Zé Teixeira. Dois velhos amigos e camaradas.



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Sambel > 2015 >  O " Sulimane" com o seu filho Alfa e o Zé Teixeira, vendo-se dntro da morança o Eduardo Moutinho Santos.

Fotos (e legenda): ©  José Teixeira (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

(Revisão / fixação de texto: LG)
_________________

Notas do editor LG:


Recorde-se o contexto (LG):

Face à pressão IN sobre a região do Forreá, a CCAÇ 2382 (que chegara ao CTIG em 6mai68, e estava a fazer a IAO em Bula), é colocada em 7jun68, à pressa, no Sector S2 (Aldeia Formosa), com dois pelotões em Contabane, no Forreá. Veio render forças da 5ª CCmds.

Em 11jun68, instala-se o o comando e os outros dois pelotões em Mampatá; no entanto, em 18jun68, a sede da subunidade passou para Contabane, ficando apenas um pelotão destacado em Mampatá.

Na noite de 22jun68, Contabane sofre um ataque de 3 horas e fica praticamente reduzida cinzas.

O régulo era o Sambel, e a "mulher grande" do régulo, uma grande senhora, a Fatumatá, pais do Suleimane Baldé (1935-2025).

Em 1jul68, Contabane, é evacuada, a CCAÇ 2382 volta de novo a instalar-se em Mampatá, agora com dois pelotões destacados em Buba e Patê Embalá. Será construído um reordenamento, no Saltinho, Sinchã Sambel, para alojar as famílias da antiga Contabane.

terça-feira, 23 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24337: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXVI: 16 de abril de 1971, um dia trágico, a morte de João Bacar Jaló (Cacine, 1929 - Tite, 1971)


Guiné > s/l > s/ d > O tenente graduado 'comando'  João Bacar Djaló,  rodeado de pessoal da 1ª CCmds Africanos. Entre outros, é possível identificar o furriel “Dico” Andrade, o 1º da esquerda, o furriel Orlando da Silva, ajoelhado, no meio e o 1º da direita, em cima, o soldado Francisco Gomes Nanque, que esteve preso na Libéria após a operação a Conacri. Foto de Amadu Djaló, publicado na pág. 190 do seu livro.



Lisboa > 1970 > O cap graduado 'comando'.  cmdt da 1ª CCmds Africanos João Bacar Jaló como o nosso veteraníssimo João Sacôto (ex-alf mil, CCAÇ 617/BCAÇ 619, Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66), hoje comandante da TAP reformado, membro da nossa Tabanca Grande desde 20/12/2011. 

O João Bacar Jaló veio a Lisboa, nessa altura, no 10 de Junho, receber a Torre e Espada. Nasceu em Cacine, circunscrição de Catió, região de Tombali, no sul da Guiné, em  1929, e morreu em 1971, no HM 241, em Bissau, por ferimentos em combate. Era alferes de 2ª linha em 6 de junho de 1965. (*)

Foto (e legenda): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Quínara > Carta de Tite (1955) > Escala 1/50 mil  > Posição relativa de Tite e, a nordetse, Jufá, a zona onde o João Bacar Jalõ perdeu a vida, em 16 de abril de 1971. Infografia publicada no livro, pág. 193.


Guiné > Região de Quínara > Tite > 1971 > O soldado Abdulai Djaló Cula, da 1ª CCmds, que contou aqui, no livro do Amadu Djalõ, as circunstâncias em que morreu ao seu lado o seu comandante. Foto publicada no livro, pág. 191.


1. C
ontinuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digital,  do seu livro 
"Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O seu editor literário, ou "copydesk", o seu camarada e amigo Virgínio Briote,  facultou-nos uma cópia digital; o Amadu, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de nove dezenas de referências no nosso blogue.

[Foto à esquerda > O autor, em Bafatá, sua terra natal, por volta de meados de 1966. (Foto reproduzida no livro, na pág. 149) ]

Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné Conacri,  começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii)  depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido,  por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757; 

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló; 

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;

(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló  (pp. 168-183);

(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;

(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,


 

Capa do livro do Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.  


Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXVI:

A morte de João Bacar Jaló (Cacine, 1929- Jufá, Tite, 1971) 

No dia seguinte, de manhã, apanhei o transporte para Brá. Quando lá cheguei, estava o capitão Miquelina Simões a proceder às identificações dos instruendos, que iam frequentar o curso para a 2ª Companhia de Comandos, vi o Furriel Vasconcelos.

 Vamos a isso depressa, pá!     gritei-lhe,  a brincar.

–  Amadu, ouvi agora uma coisa, não sei se é verdade.

–  O que foi que ouviste?

–  Ouvi dizer que o João Bacar morreu!

Corri para o gabinete do capitão e vi o Sisseco.

–   Sim, é verdade, o capitão morreu!

Sem demora corremos para o hospital. Quando chegámos, estava a entrar o general Spínola. Fomos atrás dele, até ao local onde repousava o corpo do nosso capitão João Bacar Jaló. Foi o próprio general que levantou o lençol que cobria o cadáver. As lágrimas romperam pelos nossos olhos.

Terminou, neste dia, 16 de Abril de 1971, a história do Capitão João Bacar Jaló[1].

Dirigi-me para a casa do capitão João Bacar e fiquei à espera do irmão dele, porque, entre nós, as famílias não podem ficar sem um homem em casa. E quando um dos nossos morre, é costume cada um de nós dar qualquer coisa, mesmo que a pessoa morta seja rica e ainda mais se o falecido tiver sido em vida boa pessoa. Então, cada um estava a dar dentro das suas possibilidades e foi nessa altura que entrou o tal velhote, de que já falei antes, o Mamadu Candé 
[o adivinho] . Vi-o pôr uma nota de 100 escudos no cesto. Ficámos, uns momentos, a olhar um para o outro.

Mais tarde, perguntei-lhe por que razão tinha dado 100 escudos.

–   Eu não queria o dinheiro, quando o capitão mo deu. Não aceitou o meu conselho e não é legítimo eu ficar com o dinheiro. Tive que o devolver.

Fiquei assim a compreender por que é o velhote não a queria, quando o João Bacar lhe deu a nota.

O Soldado Abdulai Djaló Cula[2], filho do Padre[3] Central de Bissau, conta que,  ao amanhecer daquele dia[4], o Capitão João Bacar Jaló lhe disse que ia morrer nesse dia. Abdulai chamou o Alferes Justo[5] e contou-lhe a conversa do capitão.

–    Como?  
  perguntou o alferes.

–  Sonhei com a minha morte      respondeu o capitão.

Estávamos juntos, eu, o Abdulai Djaló Cula, o Alferes Justo e o Furriel Braima Bá (Baldé). Não tinha ainda acabado de contar o sonho, vimos duas mulheres acompanhadas por uma criança. Traziam cestos com arroz à cabeça, que iam vender em Tite. Parámo-las e o capitão perguntou-lhes:

–  
Onde está o PAIGC?

–  
Eles dormiram aqui perto, devem estar ali em frente.

Tínhamos passado a noite, nós e eles, PAIGC, bem perto uns dos outros, talvez a pouco mais de duzentos metros. Nós estávamos muito desconfiados que eles andavam por ali e eles tinham a certeza onde nós estávamos. Por isso, durante a noite, tanto nós como eles evitámos fazer ruídos.

João Bacar deixou as mulheres irem à sua vida e decidiu preparar o ataque à zona onde desconfiávamos que eles estivessem. Aproximámo-nos com muito cuidado, chegámos ao local e vimos folhas estendidas no chão, que devem ter servido de camas. Vimos um resto de cigarro no chã, ainda a deitar fumo.

–  
Justo, procura nessa zona      ordenou o capitão.

O grupo do alferes, de cerca de vinte homens, começou a movimentar-se até desaparecerem da nossa vista. Soube, mais tarde, que, depois de percorrerem a zona, o Justo decidiu emboscar-se relativamente perto de nós.

João Bacar disse a um dos furriéis que lançasse sete granadas de morteiro 60 em cima da área, onde julgava estar o grupo do PAIGC. Mas o furriel só lançou uma. Vendo que era muito lento, o capitão preparou ele próprio sete granadas de morteiro e começou rapidamente a lançá-las.

Depois, montada a segurança, João Bacar deslocou-se à tabanca com a intenção de avisar a população que devia sair das casas e fugir para a mata.

Entretanto o grupo do PAIGC foi-se aproximando de nós, sem nós nos percebermos. O capitão pediu granadas de mão defensivas a Bailo Jau, este não tinha, foi o Fassene Sama que lhas passou para a mão. 

João Bacar tinha acabado de tirar a cavilha de uma quando o PAIGC abriu fogo sobre as nossas posições. Ouviu-se um grito do Furriel Bacar Sissé, tinha sido atingido por estilhaços de uma granada de RPG, que desfizeram um baga-baga. O capitão e eu corremos para o ferido. Vi o capitão baixar-se e, com a mão esquerda, apanhar a arma do Bacar, enquanto mantinha a granada descavilhada apertada na mão direita.

O capitão muito raramente andava com G-3, quase sempre levava a pistola e duas granadas de mão defensivas. Passou por mim, tinha dado talvez dois ou três passos e avistámos o disparo do RPG. Eu estava bem abrigado, protegido por uma raiz de uma árvore. João Bacar ajoelhou-se instantaneamente, o rebentamento deu-se atrás de nós e depois mais rebentamentos, tudo muito rápido.

 O capitão, que estava ajoelhado, a mão esquerda ocupada com a G-3, foi atingido no braço direito cuja mão segurava a granada sem cavilha. Perdeu força, não deve ter conseguido lançá-la e ela rebentou.

Saí da grande raiz que me servia de abrigo, a cerca de cinco metros, e comecei a puxar pelo capitão. Ainda estava vivo. Arrastei-o para uma zona mais segura e ajoelhei-me. A troca de tiros e de granadas prosseguia. Pus a cabeça do capitão em cima das minhas pernas.

- Uai, Nene[6]!

A granada tinha-lhe arrancado a perna direita, a mão direita e esfacelou-lhe a parte direita do tronco. Estava a morrer,  o meu Capitão João Bacar Djaló.

O Furriel Lalo Bailo gritou em mandinga:

- Uai ‘nte Báma, capitom fata[7]!

O Inimigo sabia o que estava a acontecer e intensificou ainda mais o fogo, enquanto o sentíamos mais perto. Era um grupo numeroso e chegámos a pensar que nos queriam apanhar à mão. Aos gritos chamei o Furriel Vicente Pedro da Silva[8]:

–  
Meu furriel, querem apanhar-nos à mão!

A morte do nosso comandante estava a tocar-nos muito, o nosso moral estava em baixo e o grupo do PAIGC cheirava isso.

–  
Calma!    ouviu-se a voz do Furriel Vicente.

Agarrou-me e ao Vicente Malefo e a mais dois ou três, lançou uma granada de mão defensiva e gritou bem alto:

–  
Comandos ao ataque! Cada um dispara dois tiros seguidos de cada vez, tum-tum! Vamos apanhá-los à mão, agora não façam mais tiros!

Com os gritos do nosso furriel começámos a avançar e eles recuaram. Depois, na acalmia que se seguiu, pedimos as evacuações, enquanto nos movimentávamos com o corpo do nosso comandante e carregando os feridos mais graves, o Alferes Justo, que se tinha ferido no joelho ao servir-se dele para apoiar o morteiro, e os Furriéis Bacar Sissé e Dabho.

Quando atravessávamos a bolanha ouvimos o silvo de um Fiat, picou sobre nós, largou uma bomba que só estremeceu tudo à volta e levantou outra vez. O Alferes Justo pegou no banana, o AVP-1[9], e conseguiu entrar em contacto com a esquadrilha. Que éramos nós e que precisávamos de um heli para evacuar os nossos feridos.

Momentos depois, talvez antes ainda das nove horas, fomos sobrevoados por dois 
[helis] , um armado[10] e outro que pousou com uma enfermeira que os transportou para Bissau, para o Hospital Militar.

Quando regressávamos a Tite,  vinha ao nosso encontro uma unidade e, em coluna auto,  fomos transportados para o Inchudé e daqui seguimos numa lancha para Bissau.

Eu vinha com o camuflado empastelado do sangue do meu capitão. No cais, num ambiente de grande tristeza, aguardavam-nos as nossas famílias e muitos amigos nossos.

Três ou quatro dias depois, já não me lembro bem, foi o funeral do João Bacar, que foi uma manifestação que Bissau nunca tinha visto.

Acaba aqui a história dessa grande figura humana, do grande fundador das milícias no sul, na sua terra de Catió. Quando lá estive com os “Fantasmas”, em 1965, com o Alferes Saraiva para operações no Como e em Cufar, o João Bacar escolheu milícias da sua confiança, para aprenderem a ser operacionais. 

O capitão entrou em dezenas de batalhas até acabar a sua vida numa simples patrulha de combate em Jufá, em circunstâncias um pouco estranhas, no dia negro de 16 de Abril de 1971.



Lisboa > Terreiro do Paço > 10 de junho de 1970 > "Dia da Raça" > Ao centro, o Capitão Graduado 'Comando' João Bacar Djaló, comandante da 1.ª Companhia de Comandos Africanos, condecorado com a "Torre e Espada", e que tive oportunidade de cumprimentar em Fá Mandinga, onde, na altura, estava sediada aquela unidade de elite (participou na Op Mar Verde, a invasão anfíbia de Conacri e numerosíssimas outras operações do mais elevado risco; seria morto em combate, meio ano depois,  de ser condecorado com a “Torre e Espada”). 

A segunda figura, da esquerda para a direita é o capitão-tenente Alpoim Calvão, cérebro da Op Mar Verde, que cheguei a ver, mas não conheci, nem de perto nem de longe, nos “paços” do “Comando-Chefe”, na Amura. 

Os restantes elementos da primeira fila, todos eles igualmente condecorados com a “Torre e Espada”, são o furriel Cherno Sissé (Guiné), e, salvo erro, o coronel Hélio Felgas e o ten mil inf José Augusto Ribeiro, cuja província/colónia onde prestavam serviço desconheço.

Fonte: Revista "Guerrilha", junho de 1970 (Publicação editada pelo MNF - Movimento Nacional Feminino. Edição e legendagem:  Mário Migueis da Silva (ex-fur mil rec inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72) (***)


Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério português > Abril de 2006 > Restos de lápides funerárias de soldados portugueses cujos corpos por aqui ficaram. Como o guineense Capitão Comando João Bacar Jaló, natural da Guiné, morto em combate em 16 de Abril de 1971.

Foto (e legenda): © A. Marques Lopes (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas do autor ou editor literário:

[1] Nota do editor: João Bacar Jaló nasceu em 2 de outubro de 1929, em Cacine. Foi incorporado no Exército, para o qual se voluntariou, no dia 1 de março de 1949. Em junho de 1951 encontrava-se ao serviço da 2ª CCaç, em Bolama, quando terminou o seu primeiro período militar. Nesse mesmo ano começou a trabalhar na Administração Civil, em Bissau. Em 1952 no Palácio do Governo e até 1958, sempre como funcionário da Administração Civil, em Bissalanca, Antula, Prábis e Safim.

 Entre 1958 e 1961 foi fiscal de fronteira no sul e em seguida desempenhou o cargo de comandante de ronda em Catió, que acumulou com as funções de oficial de diligências do Julgado Municipal. 

Com o início da actividade militar do PAIGG, João Bacar, já com 33 anos, alistou-se novamente, como comandante de Caçadores Naturais da Guiné. Foi graduado em alferes de 2ª linha em 8 de junho de 1965.

Depois foi nomeado comandante da Companhia de Milícias nº. 13 e um ano depois foi promovido a tenente. Depois de ter frequentado um curso de oficiais, João Bacar foi graduado em capitão e passou a comandar a 1ª CCmds Africanos.

 Ao longo da sua vida militar recebeu numerosos louvores. Foram-lhe atribuídas duas Cruzes de Guerra em 1964 e 1965 e era, desde 30Jun1970, Oficial da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito.

[2] O Soldado Abdulai Djaló Cula é natural de Bissau. Pertencia à equipa do Furriel Bacar Sissé que fazia parte do grupo de cerca de 40 homens que foram a Jufa, comandado pelo Capitão João Bacar Jaló.

[3] Dignitário Muçulmano.

[4] Havia a informação que um grupo do PAIGC ia passar a noite de 15 para 16 de abril de 1971 a uma tabanca de balantas, em Jufá, na zona de Tite. O João Bacar estava com um grupo emboscado junto à tabanca. Durante a noite, os cães da tabanca não pararam de ladrar. Quando amanheceu, João Bacar disse: 

“Nós vamos ali à tabanca, conversamos com a população, mas não passámos dali. Porque num sono muito rápido que tive, sonhei que o PAIGC me prendera. Amarraram-me, meteram-me num jipe, e eu consegui saltar do jipe em andamento. No chão, com as mãos e os pés atados não podia correr. O jipe fez marcha atrás, voltaram a apanhar-me e meteram-me outra vez no carro. Quando o carro voltou a andar, seguraram-me, para não me deixarem mexer. O jipe arrancou e acordei. "

Este sonho foi contado pelo João Bacar ao Furriel Braima Bá e ao Soldado Abdulai Djaló Cula, na manhã do dia em que morreu.

[5] Nota do editor: Justo Nascimento.

[6] - Ai, minha Mãe!

[7] - Ai, minha mãe, o meu capitão morreu!

[8] O Vicente Pedro da Silva foi mais tarde promovido a alferes. Talvez devido ás precárias condições em que vivia e cansado da incompreensão que sentia por não ver reconhecida a sua condição de português nascido na Guiné e antigo combatente das Forças Armadas Portuguesas suicidou-se em Lisboa, por volta de 2004.

[9] Nota do editor: Transmissor-receptor.

[10] Nota do editor: Sud Aviation SA-3160 “Alouette III”, c/helicanhão de 20mm, conhecido por “Lobo Mau”.

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Parênteses rectos com notas /  Subtítulo / Negritos: LG]
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


Vd. ainda poste de 2 de maio de 2009 > Guiné 63/74 – P4275: Tugas - Quem é quem (4): João Bacar Jaló (1929-1971) (Magalhães Ribeiro)

(***) Vd. poste de 30 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P20021: Recortes de imprensa (103): O 10 de Junho de 1970 na Revista Guerrilha, edição do Movimento Nacional Feminino, dirigida por Cecília Supico Pinto (1) (Mário Migueis da Silva)

quinta-feira, 21 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23184: (In)citações (203): Nós, os fulas e os nossos (mal-)entendidos, a propósito da expressão "(lavadeira) para todo o serviço" (Cherno Baldé / Mário Miguéis)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal > Rápidos do Saltinho > 3 de Março de 2008 > Lavadeiras do Saltinho.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentários ao poste P23180 (*):

(i) Cherno Baldé (Bissau):

O Sector de Empada, na região administrativa de Quínara, é habitada maioritariamente por Biafadas, contando com uma presença negligenciável de outras etnias como Fulas, Manjacos e Papel. De referir que esta localidade deu alguns comandantes dignos de registo ao movimento da libertação.

Quanto ao caso em apreço, como é habitual no contacto entre europeus (portugueses) e africanos, na minha opinião, deve haver um "grande" mal entendido, derivado da diferença de culturas e da deficiente comunicação entre os comunicantes de parte a parte, pois que, em meados de 1964 o nivel de percepção e entendimento correcto da lingua portuguesa a nível de todo o territorio não devia ultrapassar os 2% do total da população. 

E numa localidade como Empada, no início da guerra, devia ainda ser muito inferior e o ex-alf mil  Joaquim Jorge fala de dois homens grandes que, na melhor das hipóteses, nem o Crioulo dominavam.  Qual podia ser o diálogo possível entre um alferes metropolitano que não conhecia uma única palavra dos locais e dois homens grandes que nem sequer falavam o Crioulo?... Certamente um enigma.

E,  de mais a mais, em nenhuma sociedade conhecida do mundo, seja ela "civilizada" ou "arcaica",  um(a) avô/ó  poderia atribui-se a si a prerrogativa de dar a outrem, seja em que condições fossem, a sua neta para ser usada "para todos os serviços". Isto não pode existir senão na cabeça de alguém que desconhece completamente a cultura dos fulas.

Na verdade, em Empada, existia e penso que ainda continua a existir uma pequena comunidade de fulas dispersos pela zona e que, com o início da guerra, poderiam concentrar-se em Empada por razões de segurança, mas habitando fora do seu chao de origem, não estariam organizados colectivamente de modo a ter uma chefia, de modo que o homem grande em questão deveria estar a agir por sua conta e risco e não representava ninguém em particular a não ser que a isso fosse impelido por força da guerra e pela presença intimidante da tropa.

Em África, foram registados e são bem conhecidos os casos de ofertas de serviços (inclusive sexuais) a certas personalidades estrangeiras e não só como forma de hospitalidade em contextos variados e que vinham de períodos anteriores à colonização, mas que, todavia, não era uma particularidade unicamente africana, pois antes da chegada dos europeus a África já mantinha relaçoes seculares com os povos do Mediterrâneo Sul e do Médio Oriente.

Não é a primeira vez que leio estórias semelhantes vindas de portugueses (metropolitanos) que, se bem que possa haver alguns casos verídicos, na maior parte são fruto de uma interpretação errada dos factos e/ou de pura imaginação ligada a preconceitos tipicos do período do Estado Novo.

PS - O nome indicado como sendo do homem grande (Xalá) nao existe na nomenclatura da língua e cultura fula. E eu vejo nisso mais um indício da fraqueza do facto testemunhado.


(ii) Mário Miguéis (Esposende):

Nos meus dois anos de comissão na Guiné, salvo um breve contacto de duas semanas com balantas, nos Nhabijões, só estive em regiões onde os fulas eram, sem exceção, a etnia dominante. 

E, pelo que me foi dado observar ao longo do tempo (e eu lidava muito com as populações), não havia, nem de longe nem de perto, situações como a descrita pelo nosso camarada Joaquim Jorge, ou seja, não havia, pura e simplesmente, casos de favores sexuais prestados por responsáveis nativos a quem quer que fosse. 

Aliás, acompanhei a rendição de uma por outra unidade ao longo de todo o período de sobreposição e não só ninguém veio propriamente prestar vassalagem aos vindouros como os nossos anfitriões se mantiveram sempre à distância até o comandante da nova companhia lhes ser apresentado. 

Os fulas eram muito "senhores do seu nariz" e, para além disso, sabiam "dar-se ao respeito", comportando-se com uma dignidade que eu sempre admirei. 

Por isso me inclino para a tese do nosso camarada Cherno Baldé, justificando a confusão que se gerou na cabeça do novel e imaturo comandante (que me perdoe a piada o nosso camarigo Joaquim Jorge, que muito prezo) com uma incorreta tradução dos serviços a prestar (de lavadeira, não mais que isso) por parte do inabilitado intérprete, ele próprio traído, se calhar, pela tal expressão da "criada/lavadeira para todo o serviço",  muito utilizada, com a costumeira fanfarronice, por alguns militares menos discretos.

Agora, relações sexuais deste com aquela e daquela com este, independentemente de favorecimentos, isso é óbvio que acontecia com a naturalidade que acontece ainda hoje em qualquer parte do mundo. 

E, já agora, quanto à nomeação dos atores em presença, o bom senso ditará sobre a sua inconveniência ou não, tendo em atenção os usos e costumes, ao tempo, de cada grupo étnico. (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 19 de abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23180: Recordações de Empada do meu tempo (Joaquim Jorge, ex-alf mil, CCAÇ 616, 1964/66) (1): Xalá Baldé, o homem grande da etnia fula, que me veio prestar vassalagem e oferecer a sua neta, jovem e bonita bajuda, "para todo o serviço"...

domingo, 17 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23176: Efemérides (364): Tempo de recordar - Guerra Colonial, O Calvário de Uma Geração - 50 anos decorridos sobre a tragédia de Quirafo, 17 de Abril de 1972 (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf)

A propósito da tragédia de Quirafo que ocorreu faz hoje exactamente 50 anos, transcrevemos, com a devida vénia ao nosso camarada Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), o texto por ele publicado na sua página do facebook:


Tempo de recordar

Guerra Colonial, O Calvário de Uma Geração - 1

Cumpre-se hoje, 17/04/2022, exatamente meio século sobre o dia mais triste da minha vida. Foi no leste da Guiné, numa manhã de sol inclemente, num sítio chamado Quirafo. Éramos vinte, em duas viaturas. Uma emboscada. Um numeroso grupo inimigo que nos metralha com canhões, lança-rockets e metralhadoras. Num minuto, pouco mais, morrem-nos doze homens e seis ficam feridos, alguns dos quais com muita gravidade. Na noite que se segue à tragédia, puxo do meu bloco de notas e escrevo:
Vinte e duas horas. Do dia mais triste da minha vida. Aqui, na desoladora messe de oficiais e sargentos, apenas eu. Nem o responsável pelo bar ficou. Todos recolheram à solidão dos abrigos, possivelmente para meditar. Lá fora, um silêncio de morte. Um silêncio estranho e sepulcral, de que faz parte este maldito e cadenciado martelar que tende a rebentar-me os tímpanos e o sistema nervoso. Já o não suporto mais. Corro para a porta, a fechá-la. E não posso evitar um fugidio olhar. Um fugidio olhar suficiente para que sinta o coração esfrangalhar-se-me e este terrível nó seco na garganta, que me comprime a alma: o cangalheiro, rodeado de urnas por todo o lado, trabalha. Sereno. Indiferente.

Aturdido, encosto a porta com todo o cuidado e venho de novo sentar-me. Sinto-me cansado. Abatido. Gostava de fechar os olhos e adormecer. Mas, não consigo. A certa altura, parece-me ouvir um assobiar baixinho… Mas, o que é isto?!... Apuro o ouvido, e não, não é. Parece mais alguém que trauteia qualquer coisa, uma cantilena qualquer… Volto a correr para a porta, agora intrigado e enraivecido.

Nada. Só o silêncio. E o cangalheiro. Que prossegue no seu trabalho, taque-taque, taque-taque. Com a mesma serenidade. A mesma indiferença.

E o sentimento de revolta apodera-se de mim com mais intensidade. Sinto vontade de lhe cair em cima. De o agredir. De lhe dar dois socos.

Mas, contenho-me. Volto covardemente para o meu canto, como um cão lazarento com o rabo entre as pernas, e ponho-me a pensar. A tentar refletir sobre o que se passa comigo e com a cena macabra que me envolve. E vêm-me à cabeça as lágrimas, os abraços e os lenços brancos das despedidas em Lisboa, lá no cais das não sei quantas. Meu Deus, e os pais?!... Que será dos pobres pais, coitados, quando souberem da triste nova?!... Eles que, cada dia, antes da deita, caem de joelhos aos pés do Cristo, da Virgem, do Anjo da Guarda e de todos os santos protetores e mais alguns, a pedirem a salvação dos seus filhinhos?!... Era tão bom, tão alegre, tão cheio de vida…

É isso que vos espera, camaradas, lá no outro lado do mundo: o choro, o lamento, a recordação.

E nós, por cá… Nós, por cá, todos bem graças a Deus. Beijinhos para os manos, tios e priminhos. Cumprimentos aos vizinhos e amigos. Adeus, até ao meu regresso.

Saltinho, 17 de Abril de 1972
Mário Migueis


"António Ferreira", 1.º Cabo TRMS, morto durante a emboscado do Quirafo
Homenagem do nosso camarada Mário Migueis
Acrílico: © Mário Migueis da Silva (2010). Todos os direitos reservados





Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Picada de Quirafo > Fevereiro de 2005 > Restos da GMC da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), que transportava um grupo de combate reforçado, comandado pelo Alf Mil Armandino, e que sofreu uma das mais terríveis emboscadas de que houve memória na guerra da Guiné (1963/74)... 
Foram utilizados LGFog e Canhão s/r. Houve 11 militares mortos, 1 desaparecido... Houve ainda 5 milícias mortos mais um número indeterminado de baixas, entre os civis, afectos à construção da picada Quirafo-Foz do Cantoro. A brutal violência da emboscada ainda era visível, em Fevereiro de 2005, mais de três décadas, nas imagens dramáticas obtidas pelo Paulo Santiago e seu filho João, na viagem de todas as emoções que eles fizeram à Guiné-Bissau.

Fotos: © Paulo e João Santiago (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]

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Nota do editor

Último poste da série de 27 DE FEVEREIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23038: Efemérides (363): Há meio século, nestes dias 26 e 27 de Fevereiro, sábado e domingo, foi levada a cabo a Operação Juventude V na zona Caboiana/Churo (Ramiro Jesus, ex-Fur Mil Cmd, 35.ª CComandos, Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73)

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23017: In Memoriam (428): Carlos Alberto Oliveira Santos, ex-Fur Mil da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72) que faleceu em Coimbra no passado dia 19 de Fevereiro de 2022 (Mário Migueis da Silva)

IN MEMORIAM

Carlos Alberto Oliveira Santos
Ex-Fur Mil da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72)


1. Mensagem de Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), com data de 21 de Fevereiro de 2022, com a notícia do falecimento do nosso camarada Carlos Santos, ex-Fur Mil da CCAÇ 2701, ocorrido no passado dia 19, em Coimbra:

Caro Carlos Vinhal
Assim, um pouquinho a correr, venho juntar fotografia e legenda alargada do Carlos Santos, camarada da CCAÇ 2701, falecido no passado dia 19, em Coimbra.

Era figura muito querida de toda a malta, nomeadamente do nosso amigo Paulo Santiago.

Se não vires qualquer inconveniente, agradecia a publicação respetiva.

Um grande abraço,
Mário Migueis


Distribuindo sorrisos, palavras amigas, abraços calorosos...

Distribuindo sorrisos, palavras amigas, abraços calorosos, na Guiné, como por cá, eis o retrato fiel do Carlos Santos, homem-grande de coração enorme, que, no passado dia 19, para grande mágoa nossa, nos deixou para sempre.

Residente em Coimbra, mas natural do concelho de Cantanhede, foi furriel miliciano da CCAÇ 2701, tendo cumprido, nos três primeiros anos da década de 70, a sua comissão de serviço na Guiné, onde, um dia, o fui encontrar.

Foi um privilégio tê-lo como amigo, merecendo-me, desde sempre, a maior consideração e estima, ou não tivesse sido ele o primeiro camarada a dar-me as boas-vindas à minha chegada ao Saltinho.


Entre as inúmeras histórias, com o seu quê de anedótico, que ele gostava de recordar, à gargalhada, durante os nossos convívios do pós-guerra, sempre figurava a que se segue:
Perante a iminência de um ataque com artilharia ao Saltinho, pedimos uma batida da zona de tiro provável a Aldeia Formosa. Já as granadas de obus sibilavam sobre as nossas cabeças, foi-me o Carlos Santos encontrar, a mim, homem das informações, bloco e lápis na mão, sentado, sem qualquer resguardo, num dos degraus de acesso à messe:

– Que é que estás a fazer aqui, Migueis?!... – o Santos, preocupado.

– Não me distraias, bolas!... Não vês que estou a tomar nota do número de obuses e da hora exata a que cada um nos passa por cima?...

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Comentário do editor:

O nosso camarada Carlos Santos foi, praticamente, desde a primeira hora um seguidor do nosso Blogue, tendo participado no emblemático I Encontro da Tertúlia na Ameira, no já longínquo ano de 2006. Esteve ainda presente nos II; III e V Encontros.
Esta foto é referente ao III Encontro de 17 de Maio de 2008, na Quinta do Paúl, Ortigosa, Leiria. O Carlos Santos entre o seu amigo Julião (Martins Julião, Alf Mil da CCAÇ 2701?) e o David Guimarães.

À família do nosso malogrado amigo e camarada Carlos Santos, apresentamos as nossas mais sentidas condolências.

Mais um Combatente que foi reforçar o contigente celestial, onde, mais tarde ou mais cedo, nos vamos alistar todos.

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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE FEVEREIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23010: In Memoriam (427): Notícia do falecimento do nosso camarada Alberto Roxo Cruz, PilAv da BA 12 (Bissalanca, 1968/70 e 1972/74)

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22876: Efemérides (360): Os 50 anos da Corrida de São Silvestre no Saltinho, 1971/72 (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), com data de 2 de Janeiro de 2022, que nos traz uma reportagem da corrida de São Silvestre no Saltinho, passagem de ano de 1971 para 1972, já lá vão exactamente 50 anos.


São Silvestre no Saltinho

Na passagem de 71 para 72, ou seja, há exatamente meio século (Santa Maria, Mãe de Jesus, o tempo que já lá vai…), encontrava-me eu na CCAÇ 2701, no Saltinho, para onde fora destacado, em serviço de diligência, sete meses atrás.
Tal como em Bambadinca, onde fizera inicialmente um estágio de cerca de três meses por conta dos Serviços de Informação Militares, não houve ceia especial e, muito menos, réveillon. Mas, no primeiro dia daquele “prometedor” Ano Novo, ao toque de alvorada, toda a gente se levantou de um pulo para participar na Grande Prova de Atletismo de São Silvestre, que tinha a respetiva partida marcada para as nove da manhã, na tabanca de Sinchã Maunde Bucô.
Era uma prova com apenas cerca de 10 km, aberta a militares e civis com assento na região, com prémios apetecíveis para os cinco primeiros classificados. Não seria, pois, de estranhar a fartura de candidatos que acorreu ao ponto de partida, conforme nos documenta, embora sem zoom, a foto n.º 1 de um qualquer repórter desconhecido.
Mas, interessante, interessante, seria reunir agora os mesmos atletas e pô-los a repetir a corrida de há cinquenta anos atrás.

Lá ao fundo, em Madina Bucô, toda a gente preparada para a partida (o jipe, ao volante do qual está o Capitão Carlos Clemente, fará as vezes dos batedores da polícia)
Estes dois ciclistas (o Migueis, à civil, e um dos professores da CCAÇ2701) funcionariam como uma espécie de diretores/controladores da corrida.
O carro da comunicação social, com especial destaque para a RTS (Rádio Televisão do Saltinho). O bigodinho preto e os rayban são do Furriel Miliciano Faria (Transmissões)
Frente do carro-vassoura com meros acompanhantes da corrida (os desistentes da prova vinham na traseira da viatura, que outro lugar não mereciam); com uma folha de papel na mão, o 1.º Cabo Escriturário Simão (entretanto falecido).
Posto de controlo na linha de chegada, à entrada principal do aquartelamento (o Alves, furriel miliciano vagomestre, está sentado à mesa, pronto a verter para o papel os nomes dos atletas por ordem de chegada; de pé, a seu lado, e de AVP1 no ouvido, o Damas (Transmissões); e à frente, mais duas figuras das Transmissões, cujo nome, de momento, não me ocorre; à esquerda, sentadinho atrás do ensonado cão de guarda, o 1.º Sargento Picado, já falecido (está sepultado em Aveiro, sua terra-natal, segundo creio).
Chegada dos segundo e terceiro classificados da prova. O vencedor foi o 1.º Cabo Cosme, do Pelotão de Caçadores Nativos 53, de que não tenho imagens (com um treinador como o Alferes Paulo Santiago…)
Na imagem, um dos tais "diretores/controladores” da prova (curiosamente, apesar de se deslocar em bicicleta, chegou depois de todos os outros - areão no piso, justificar-se-ia). Se repararmos bem, estava toda a gente de tacha arreganhada, falta saber onde estava a piada: atrás do Migueis, o 1.º Cabo Lourenço; na berma da estrada, dois homens das Transmissões, o 1.º Picado (calça escura) e alguns miúdos da população do Saltinho.
Traseira do carro-vassoura à chegada, com os desistentes da prova a meio-caminho, se tanto.
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22768: Efemérides (358): Cerimónia de Concessão de Honras de Panteão Nacional a Aristides de Sousa Mendes, Lisboa, 19 de outubro de 2021 (João Crisóstomo, Nova Iorque)